No mês de abril de 2010 a Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ completa 71 anos. Nestes muitos anos de história, diversos nomes dos cenários nacional e internacional honraram a nossa Escola, com destaque para a professora e nadadora Maria Emma Hulga Lenk Zigler, mais conhecida como Maria Lenk. Coincidentemente, o mês de abril também é marcado pelos três anos do falecimento da professora, ocorrido no dia 16 de abril de 2007, aos 92 anos.
Maria Lenk obteve muitas conquistas ao longo da sua carreira de nadadora e de acadêmica: Maria foi a primeira diretora mulher da Escola de Educação Física da UFRJ. Foi também a primeira mulher brasileira a competir em uma Olimpíada, nos jogos de Los Angeles em 1932 e, além disso, exerceu o cargo de Presidente da Confederação Brasileira de Natação, sendo algumas vezes recordista mundial da modalidade que tanto amava. Até hoje, mesmo em memória, é a Presidente de Honra da Associação Brasileira Master de Natação (ABMN), devido ao fato de ter sido uma pioneira da natação master (para maiores de 25 anos) no país e no mundo.
Maria Lenk foi homenageada, em 2007, emprestando seu nome ao Parque Aquático dos Jogos Pan-Americanos do Rio e ao mais importante campeonato brasileiro de natação, o antigo Troféu Brasil, atual Troféu Maria Lenk. O presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (antiga Confederação de Natação, da qual Lenk fora presidente), Coaracy Nunes explicou as homenagens:
- O legado deixado pela professora Maria foi imenso. Ela foi, sem dúvidas, a maior expressão positiva da história da natação brasileira pelos inúmeros títulos que obteve nas piscinas nacionais e internacionais. A sua perseverança e seu exemplo por toda vida serviram de estímulo para os nossos atletas que a viam como um ícone. Por todos estes motivos, apoiei em todos os momentos o (então) prefeito César Maia a nomear o nosso Parque Aquático do Pan de Maria Lenk – contou o principal dirigente da natação no Brasil.
Após os Jogos Pan-Americanos, o Parque Aquático Maria Lenk recebeu o Campeonato Estadual de Natação da categoria master. Lenk disputou competições nesta categoria até o final de sua vida.
Na ocasião, o discurso inaugural do campeonato foi proferido por Aldacir Hill, atleta master de 85 anos e grande amigo da professora. No discurso, Hill emocionou o público presente:
- Dizem que com o meu discurso o pessoal chorou. Eu já estava emocionado e me emocionei ainda mais ao discursar. Falei sobre o tempo e o espaço. O tempo para o nadador é apenas algo marcado pelo relógio para o nosso ego. Já o espaço é o espaço que ela ocupa e sempre ocupará em nossos corações – lembrou com muita emoção o nadador master que competiu junto com a professora pelo Clube de Regatas do Flamengo.
Nestas competições, Aldacir e Maria Lenk marcaram história ao nadarem juntos revezamentos mistos (masculino com feminino) para nadadores acima de 80 anos. Estes revezamentos são bastante raros, pois dificilmente se consegue quatro nadadores masters ativos, com mais de 80 anos, para se formar uma equipe de revezamento.
Quem também guarda com carinho lembranças da professora é a amiga e também nadadora master, Marlene Mendes:
- Maria Lenk era uma grande amiga. Eu a conheci ainda criança e sempre a vi como exemplo. Ela sempre foi uma pioneira e a viagem para as Olimpíadas de Berlim, 1936, foi um exemplo disso. A equipe brasileira foi em um navio de exportação de café e eles ficaram quase um mês a bordo sem poder treinar adequadamente durante todo esse tempo – revelou Marlene.
Aldacir Hill lembra também que uma das maiores frustrações da vida da professora foi o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 1940, devido à Segunda Guerra Mundial. Antes da competição, Lenk era a recordista mundial dos 200 metros e dos 400 metros peito, sendo que esta última prova não existe mais no programa oficial de natação. Ela era a grande favorita a ganhar a primeira medalha de ouro olímpica de mulheres brasileiras em esportes individuais. Tal feito só foi realizado 68 anos depois pela saltadora Maurren Maggi, nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Apesar dos feitos, Maria Lenk foi uma personagem contraditória. Ao mesmo tempo que muitos a viam como uma pioneira, outros tinham muitas restrições, pois Lenk possuía uma personalidade muito forte e foi uma professora de atitude muito séria e rígida diante dos alunos e colegas de trabalho. Maria Lenk foi muito criticada por manter vínculos com alguns governos ditatoriais como o de Getúlio Vargas no Estado Novo e os posteriores ao Golpe Militar de 1964.
- Ela seguia qualquer regulamento ao pé da letra e não admitia que ninguém quebrasse algum tipo de regulamento. Era tudo no horário certo, na data certa. Com ela não tinha possibilidade de dar um prazo maior. Isso tanto na vida pessoal quanto na profissional – contou a nadadora master Marlene Mendes.
O professor Waldyr Ramos, diretor da EEFD, ex-presidente da Associação Brasileira Master de Natação, conviveu com a professora tanto em sua vida desportiva quanto na acadêmica, pois foi aluno da Escola na época em que Lenk era a diretora. Ele observa que a professora era uma pessoa de personalidade bastante difícil, mas acredita que seria injusto esquecer o seu pioneirismo e sua competência que tanto contribuíram para o esporte e também para o ensino de Educação Física na EEFD e no Brasil:
- Ela era muito rigorosa, muito rígida nas decisões. Era uma pessoa pouco flexível, mas também era uma pessoa legionária e extremamente competente. Foi uma pioneira na natação e também na UFRJ, pois foi a primeira mulher diretora da EEFD, a primeira mulher a integrar o conselho acadêmico e também a primeira professora emérita da EEFD – enumerou o professor Waldyr.
Entre diversas conquistas de Lenk relacionadas à história da universidade, houve a instituição da Educação Física como matéria obrigatória para todos os cursos superiores (medida posteriormente revogada na década de 1990) e o projeto do atual prédio da EEFD na Cidade Universitária.
- Foi ela quem conseguiu o projeto do prédio em que estamos localizados atualmente. Ela viajou para a Europa e conheceu várias escolas de educação física para que a Escola tivesse uma estrutura de nível internacional na época – explicou professor Waldyr.
Para amigos próximos como o senhor Aldacyr Hill, a sua atuação na direção da EEFD foi uma das maiores contribuições da professora para o esporte:
- Além de ter me ensinado a nadar e ter sido minha treinadora durante alguns anos, fui também aluno da Maria Lenk na antiga Escola Nacional de Educação Física (atual EEFD). Antigamente, se cursava educação física e, posteriormente, se aprendia a técnica dos esportes e ela foi a professora teórica das técnicas de natação. Para mim, o legado mais destacado que ela deixou para o esporte foi o fato de durante anos ter sido a diretora da Escola Nacional de Educação Física – disse o ex-aluno da professora.
Independentemente de suas posições políticas e suas características pessoais, Maria Lenk foi uma grande pioneira do esporte brasileiro e também do ensino de educação física no país.
- Eu penso que a Professora Maria Lenk seja uma figura insubstituível. Ela foi a verdadeira pioneira da natação brasileira e foi fiel à natação até o final de sua vida. A figura de Maria Lenk não pode ser esquecida – concluiu a amiga Marlene Mendes.
Pedro de Figueiredo
mais fontes:
Foto da construção do prédio - CEME-EEFD-UFRJ
Foto do pódio - Arquivo pessoal de Aldacir Hill